Querida Georgia,
Eu nunca soube como
começar uma carta. Eu nunca te enviei uma carta antes por causa disso. Mas, de
hoje em diante, as coisas serão diferentes, Georgia. Eu vou me mudar. Antes de
falar sobre a minha mudança, você já escutou o som do violino? Eu acho que é um
dos sons mais tristes que existem. Eu não sei como te explicar, mas eu falei
com o violino hoje e tomei algumas decisões na minha vida. Eu não quero mais um cachorro. Não estou
pronto para cuidar de um animal. Eu não tive tempo para perceber as coisas que
eu fazia, quanto mais para dar atenção a uma criatura que eu trancaria em um
quintal. Não. Não estou pronto para Deus. Eu cometi alguns pecados, mas não
enxergo nenhum motivo para me arrepender deles. Foram bons, por alguns
instantes. Foi bom, pra mim, eu acho. A única coisa que eu realmente não
entendi é o motivo de ter que me arrepender para que ele me perdoe. Um simples
"tá legal, não faço de novo" não é o bastante? Eu não quero mais sair
de casa. Aqui está quente. Tenho comida. Estou seguro aqui. Ouço as notícias do
dia a dia. Que mundo de merda é esse em que a crueldade continua a evoluir e a
solução ainda é desconhecida? Eu cansei dessas coisas, Georgia! Eu cansei! Hoje
eu decidi ouvir o violino. Era uma espécie de solo triste. Ele tocava calmo,
acendia e morria. Dava para ver o que ele queria dizer. Eu conseguia me
imaginar subindo em um palco ao som do violino e dançando. Eu girava, girava e
girava. Eu pulava. Então eu caí e rolei pelo chão e lá fiquei por um bom tempo.
Eu olhei a platéia, Georgia, meu amor. Eu olhei para todos. Eles procuravam
entender o que eu estava fazendo, mas eu não sabia o que era. Então levantei,
corri, pulei, girei e girei e fiz uma dança própria. Eles continuaram a me
olhar se perguntando a onde eu queria chegar. Eu cheguei ao final. Eu vi que
não iria mudar. Eu não consegui. Nenhum aplauso. Nenhuma flor sobre o palco.
Todos se ergueram e se foram. Meu camarim era espelho e eu. O violino voltou a
acender quando comecei a quebrar os espelhos. Eu fiz o melhor de mim! Mas, o
que eu devia ter feito, Georgia? Eu prestei atenção na música por um bom tempo,
até que eu entendi. O propósito não deve ser descoberto, meu amor. Quando a
vida faz sentido, é hora de perdê-la. Lembra-se de que eu disse que iria me
mudar? Estou partindo, Georgia. Não vou para outro bairro, cidade ou estado.
Não vou mudar de país. Estou mudando de mundo, Georgia. Eu entendi o que o
violino queria me dizer. Era hora de acertar as contas por ter entendido tudo.
Meu amor, Georgia. Não busque as respostas. Quem tudo quer, pouco tem. Quem
tudo procura, acha o que não devia. Eu te vi terça-feira a noite com o Dennis.
Você sorria de uma forma que eu jamais entenderei. Eu jamais te farei sorrir.
Agora é tudo muito simples e claro. Eu vou embora, Georgia. Você será feliz.
Você irá para a igreja aos domingos e brincará com seu cachorro nas tardes pós
trabalho. Você vai sorrir daquele jeito. Não ouça o violino. Não busque as
respostas. Mesmo que eu queira, não me procure. Não fará bem a você. Quando
receber essa carta, já terei partido. Apenas dance e gire, Georgia. Gire pelo
mundo, porque ele é seu. Apenas entenda. Eu amei o seu sorriso. Eu amei você.
Eu amei Dennis. Eu amei dançar. Eu amei o violino. E agora eu tenho que parar
de amar. Junto com a carta irá receber a vareta do meu violino. Quebre-a e a
música parará para sempre. Só assim, eu, o demônio e quem mais estiver comigo
no inferno ou algum lugar, aplaudiremos você. Só te peço uma coisa, Georgia:
Dance para sempre,
Martim.
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