quinta-feira, outubro 24, 2013

Adeus, Georgia

Querida Georgia,
Eu nunca soube como começar uma carta. Eu nunca te enviei uma carta antes por causa disso. Mas, de hoje em diante, as coisas serão diferentes, Georgia. Eu vou me mudar. Antes de falar sobre a minha mudança, você já escutou o som do violino? Eu acho que é um dos sons mais tristes que existem. Eu não sei como te explicar, mas eu falei com o violino hoje e tomei algumas decisões na minha vida. Eu não quero mais um cachorro. Não estou pronto para cuidar de um animal. Eu não tive tempo para perceber as coisas que eu fazia, quanto mais para dar atenção a uma criatura que eu trancaria em um quintal. Não. Não estou pronto para Deus. Eu cometi alguns pecados, mas não enxergo nenhum motivo para me arrepender deles. Foram bons, por alguns instantes. Foi bom, pra mim, eu acho. A única coisa que eu realmente não entendi é o motivo de ter que me arrepender para que ele me perdoe. Um simples "tá legal, não faço de novo" não é o bastante? Eu não quero mais sair de casa. Aqui está quente. Tenho comida. Estou seguro aqui. Ouço as notícias do dia a dia. Que mundo de merda é esse em que a crueldade continua a evoluir e a solução ainda é desconhecida? Eu cansei dessas coisas, Georgia! Eu cansei! Hoje eu decidi ouvir o violino. Era uma espécie de solo triste. Ele tocava calmo, acendia e morria. Dava para ver o que ele queria dizer. Eu conseguia me imaginar subindo em um palco ao som do violino e dançando. Eu girava, girava e girava. Eu pulava. Então eu caí e rolei pelo chão e lá fiquei por um bom tempo. Eu olhei a platéia, Georgia, meu amor. Eu olhei para todos. Eles procuravam entender o que eu estava fazendo, mas eu não sabia o que era. Então levantei, corri, pulei, girei e girei e fiz uma dança própria. Eles continuaram a me olhar se perguntando a onde eu queria chegar. Eu cheguei ao final. Eu vi que não iria mudar. Eu não consegui. Nenhum aplauso. Nenhuma flor sobre o palco. Todos se ergueram e se foram. Meu camarim era espelho e eu. O violino voltou a acender quando comecei a quebrar os espelhos. Eu fiz o melhor de mim! Mas, o que eu devia ter feito, Georgia? Eu prestei atenção na música por um bom tempo, até que eu entendi. O propósito não deve ser descoberto, meu amor. Quando a vida faz sentido, é hora de perdê-la. Lembra-se de que eu disse que iria me mudar? Estou partindo, Georgia. Não vou para outro bairro, cidade ou estado. Não vou mudar de país. Estou mudando de mundo, Georgia. Eu entendi o que o violino queria me dizer. Era hora de acertar as contas por ter entendido tudo. Meu amor, Georgia. Não busque as respostas. Quem tudo quer, pouco tem. Quem tudo procura, acha o que não devia. Eu te vi terça-feira a noite com o Dennis. Você sorria de uma forma que eu jamais entenderei. Eu jamais te farei sorrir. Agora é tudo muito simples e claro. Eu vou embora, Georgia. Você será feliz. Você irá para a igreja aos domingos e brincará com seu cachorro nas tardes pós trabalho. Você vai sorrir daquele jeito. Não ouça o violino. Não busque as respostas. Mesmo que eu queira, não me procure. Não fará bem a você. Quando receber essa carta, já terei partido. Apenas dance e gire, Georgia. Gire pelo mundo, porque ele é seu. Apenas entenda. Eu amei o seu sorriso. Eu amei você. Eu amei Dennis. Eu amei dançar. Eu amei o violino. E agora eu tenho que parar de amar. Junto com a carta irá receber a vareta do meu violino. Quebre-a e a música parará para sempre. Só assim, eu, o demônio e quem mais estiver comigo no inferno ou algum lugar, aplaudiremos você. Só te peço uma coisa, Georgia:

Dance para sempre,
Martim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário