terça-feira, janeiro 06, 2015

Histórias do mar

Navegantes,

Antes de começar, preciso que entendam uma coisa: isso realmente aconteceu. Como todo marinheiro, ouvi muitas histórias no mar. Isso não quer dizer que é mentira. Histórias do mar são tão verdadeiras quando os seus sentimentos. Elas falam sempre da mesma coisa, mas isso vocês vão perceber depois. Ah, se vão!

Bem... Em algum lugar do mundo, duas pessoas sofreram muito em suas terras. Elas eram diferentes. Alguns marujos falaram que elas tinham dois pares de braços e pernas e assustavam as outras pessoas, mas eu acho que elas só queriam ser felizes. Isso assusta muito mais, tanto em terra como no mar. O mundo tem medo da felicidade, mas anseia por ela de uma forma egoísta. Cada um com a sua. Essas duas pessoas, também queriam ser felizes.

Para fugir dos problemas de suas terras, elas procuraram pessoas dispostas a construírem um barco. Não queriam nada muito exuberante. Elas queriam sair daquele lugar o mais rápido possível. Queriam fugir! Um barco simples era o bastante. E então, elas se encontraram por acaso. Tinham um conhecido em comum... As duas pessoas se encontraram e disseram uma para a outra que tinham planos! Olhem só, marujos! Era o mesmo plano!

O mundo mudou de cor para aquelas duas pessoas. Quando estavam juntas, não existia problema. Elas sorriam, elas riam, elas se abraçavam. Elas eram felizes! Pela primeira vez, elas eram felizes de verdade! Eis que então elas começaram a construir o barco delas. Queriam algo simples, mas que as levassem embora! Adeus terra cheia de dores e pessoas estúpidas sem amor! Adeus pessoas tristes!

Uma contou para a outra os seus problemas naquelas terras cruéis. Ah, como eram pessoas adoráveis. Queriam mudar de vida! Queriam mudar, juntas. Pareciam personagens daqueles filmes mudos de amor em preto e branco, que conquistam todos só de olhar. Só de notar aqueles sorrisos... Ah!

Agora vem a parte importante... A parte ruim. Hunf! Vamos ter que dividir essas duas pessoas! Vou chamar uma delas de Âncora e a outra de Timão... Enfim, o barco estava pronto para ir embora. Âncora e Timão estavam felizes! Era hora de começarem a sua jornada rumo à paz! Rumo a felicidade! EMBARCAR! Içar as velas! Puxar a âncora! Capitão ao timão! NAVEGAAAAAAAR!

E o barco partiu! Timão estava feliz, confiante. Ele queria esquecer todo o seu passado, tudo o que havia acontecido antes. O passado não importava mais! Não existia mais! Era um novo Timão, uma nova pessoa! A história começava ali, mas, infelizmente, só para o Timão. Para a Âncora não começava outra história. Âncora não conseguia deixar a terra para trás. Era como se o barco se movesse e se afastasse da terra, mas uma enorme corrente ligava o barco preso a uma âncora nas terras ruins. Parece piada, mas a Âncora estava ancorada em seu passado.

Timão e Âncora tiveram uma conversa estranha, uns dias depois. Âncora pulou do barco e puxou as correntes rumo às terras ruins. Ela não queria mais mudar sua história. Ela voltara aos seus problemas, sofrimentos. Pelo menos, foi assim que o Timão pensou. Ele continuou sua viagem. Ele sabia que não tinha como controlar o barco sozinho, mas seu orgulho era igual o da Âncora. Ela deixara a Âncora ir e seguira em frente, sozinho.

O barco bateu em uma pedra próxima de uma ilha, momentos depois. O Timão, como um bom capitão, decidiu afundar com o seu barco e dar um fim para aquela história. Ele nunca mais teve notícias da Âncora. Não faz a menor ideia se ela teve alguma notícia dele.

Quando eu disse que a história era verdadeira, eu não menti para vocês, marujos. Eu sou o Timão. Eu me arrependo muito, mas faria exatamente tudo da mesma forma, se tivesse outra chance. Orgulho, tsc! A Âncora não era para ser minha. A Âncora pertencia a um mundo diferente do meu. Tinha seus próprios sonhos, mas não eram todos iguais aos meus... Eu sinto falta dela.

E é disso que as histórias do mar falam, sobre saudades e voltar pra casa... Só que eu afundei! Não tenho mais casa. Sou um Timão velho entregue ao mar dos rumos. Eu só peço um favor, marinheiros. Um favor de um velho capitão: contem essa história por aí. Marujos, espalhem isso! Sei que um dia a Âncora ouvir falar sobre ela e vai se lembrar de mim. Não acredito e nem espero que ela volte. Espero que ela se lembre de mim. Eu fui até o fim...

Que a Âncora seja feliz, onde for, com quem for, de que forma for,


Timão.